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sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O pirata que dormia de dia

Era uma vez um mapa com linhas compridas e tortas como as das nossas mãos e um pirata. Tinha poucos dentes e uma pluma de pássaro azul na lapela da jaqueta forrada de cetim encarnado que vestia. Os piratas vivem nas ondas eriçadas do mar e só vêm a terra quando o céu fica como uma lâmpada que apaga e acende, como nos dias das trovoadas. Os piratas têm olhos raiados de cor de rosa, trazem a lua ao ombro e não voltam nunca a passar pelo mesmo lugar. Os piratas são maus para ser piratas. Mas, este pirata não gostava de ser mau. A sua tarefa no navio era estar de pé, todas as noites, vigilante, a contar as ondas e à espera, à espera, à espera que a maré enchesse. O avô, também ele pirata, feio e mau, com muitos, muitos anos, ensinara-o a contar o tempo pelas ondas. Este pirata não era como os outros piratas. De dia dormia e quando a noite chegava, corria para a proa do navio e adorava ver as estrelas mexerem-se no céu escuro. Olhava o mar e os peixes que se enrolavam nas ondas. Às vezes, até parecia que perdiam as escamas. E sentia o escuro da noite muito perto dele e arrepios no peito. Depois, trepava ao mastro mais alto do navio para ficar longe de todos aqueles que já tinham adormecido. E vigiava em silêncio. Depois, zzzzzzzzzzzzzt! Escorregava pelo mastro a grande velocidade até cair de pé com as botas pretas nas tábuas rijas por cima do quarto do avô. E ali ficava. O vento acabava por lhe embalar o corpo até de madrugada e adormecia. Na manhã seguinte, o sol  forte e brilhante mordia-lhe a cara e fazia-o rebolar o corpo nas tábuas mornas do navio. O leme, mesmo em frente a ele, fazia uma sombra que parecia uma aranha gigante. A claridade ardia-lhe nos olhos. Então, o seu sonho era por uma noite que o escuro durasse para sempre e que as estrelas o iluminassem para ser só ele o comandante do navio só por uma vez. Queria ser para sempre o capitão. Imaginava, depois, o vento a rebentar com força nas velas, o silvo agudo das cordas e ele a fazer-se um gigante, de ponta dos dedos no chapéu do avô esticado em ângulo agudo para o horizonte. Então, com uma pancada leve, encaixou o chapéu na franja desgrenhada do cabelo, protegeu os olhos do sol e com o queixo tenro e bicudo apontado para a frente ordenou às nuvens que se desviassem. O navio deslizou mar fora e era outra vez noite aos seus olhos. À frente uma pirâmide de marés revoltas para ser dominada pelas suas mãos pequenas! "Ahoy! Sou o pirata dono deste mar!" Mas, um barulho estremeceu-lhe o coração, as mãos tremeram no leme... Ups! Era o avô que estava ali e com a sua voz grave e séria lembrou-lhe que era manhã e estava na hora de acordar! Ooooh... Logo agora que o navio estava a chegar à lua.

14_04_ 2013_Cristina Néry

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